Manifesto: Por que precisamos falar sobre governança em ecossistemas

 

 

Quando a inovação encontra a complexidade, nasce o desafio de criar espaços de decisão compartilhada e propósito comum.

Governança em ecossistemas não é uma estrutura que se impõe, mas uma confiança que se constrói.

Nas últimas décadas, vimos surgir uma nova forma de organização social e econômica que rompe os modelos tradicionais de poder centralizado. Ecossistemas de inovação – com seus hubs, comunidades, programas, startups e instituições – tornaram-se os novos espaços de geração de valor. Mas junto com essa descentralização, emergiu um desafio invisível, porém urgente: como organizar o coletivo sem sufocar a sua natureza orgânica?

Falamos com propriedade porque vivenciamos essa complexidade na prática – em três ecossistemas distintos, mas profundamente interligados:

Vale do Pinhão

No Vale do Pinhão, estamos envolvidos na Rede de Ambientes Promotores de Inovação e no laboratório de governança do ecossistema, em conjunto com o Sebrae-PR, a Agência Curitiba de Desenvolvimento e Inovação e outros atores engajados nas demais redes (Capital e Talentos).

Com a assinatura do Pacto pela Inovação, que foi fruto do esforço coletivo de diversas pessoas que doaram seu tempo para planejar, articular e realizar encontros e eventos, iniciamos uma nova fase: o desafio da maturidade da governança.

Agora, enfrentamos a complexidade de transformar intenções em práticas efetivas — especialmente no que diz respeito à forma como o poder público compartilha responsabilidades com os demais atores do ecossistema. Criar um verdadeiro senso de pertencimento e corresponsabilidade entre empresas, instituições, universidades e sociedade civil é um passo essencial para que o Vale do Pinhão não seja apenas uma política pública – ainda que isso, por si só, já represente algo poderoso –, mas sim um ecossistema vivo e reconhecido por quem o compõe.

Elohabitar

No Elohabitar, estamos contribuindo ativamente na articulação de um ecossistema setorial de inovação para a construção civil e seus setores adjacentes em Curitiba – um território onde, historicamente, a cultura técnica e a velocidade da inovação nem sempre falam a mesma língua.

Essa governança nasceu como resposta a uma provocação: uma visita técnica do ecossistema de inovação de Curitiba à cidade de Londrina, onde observamos uma articulação significativamente mais madura entre as governanças setoriais, todas integradas ao Estação 43, o ecossistema local de inovação de Londrina.

Diante disso, o Sebrae-PR se dispôs a colaborar, mobilizando sua equipe e sua expertise para apoiar a construção de uma base sólida. Foram promovidos encontros com representantes de entidades da construção civil e setores adjacentes, abrindo espaço para o diálogo sobre temas fundamentais como liderança, responsabilidade, valores estratégicos e cultura do consenso – elementos essenciais para a formação de uma governança legítima e funcional.

A governança do Elohabitar foi lançada oficialmente durante o SmartCity Expo Curitiba, e hoje está estruturada sobre quatro pilares norteadores: propósito, missão, visão e proposta de valor. A esses pilares se somam cinco princípios de compromisso:

  1. Planejamento Territorial Resiliente
  2. Sustentabilidade
  3. Inovação e Transformação Digital
  4. Competências para o Amanhã
  5. Governança Colaborativa

 

Sua estrutura organizacional contempla três comissões – Diretiva, Executiva e Setorial – e busca representar ativamente os atores de seis hélices: Academia, Ambientes Promotores de Inovação, Empresariado, Agentes de Fomento, Setor Público e Sociedade Civil Organizada.

A partir da definição de cinco temas prioritários de futuro, o desafio atual é tracionar a atuação colaborativa por meio dos grupos de trabalho e, ao mesmo tempo, ampliar o engajamento de novos agentes estratégicos. O objetivo é consolidar o Elohabitar como um ecossistema setorial vivo, influente e regenerativo, capaz de transformar não apenas o setor, mas também a forma como construímos cidade e comunidade.

Accelera Hub

No Accelera Hub, temos contribuído com a estruturação de um ambiente promotor de inovação que, além de suas mantenedoras, abriga uma comunidade de empresas, startups e agentes que constroem o futuro juntos – mesmo quando o caminho não vem com manual de instruções.

Por se tratar de uma iniciativa privada, o papel institucional do Accelera precisa estar alinhado com o posicionamento e as estratégias de suas mantenedoras, ao mesmo tempo em que busca garantir sua sustentabilidade e geração de valor para toda a comunidade que o cerca – incluindo os atores que orbitam o ecossistema ao qual pertence.

A construção da governança do Accelera Hub também teve início por meio de um processo semelhante ao do Elohabitar: um planejamento estratégico profundo, que resultou em um plano de ação robusto, conhecido internamente como “Segunda Ressignificação” – um marco simbólico de superação, reinvenção e amadurecimento, como tantos negócios resilientes enfrentam ao longo de sua trajetória.

Dentro desse ambiente, estamos também engajados no Sprint Urbano Centro – Cidade Pretendida, uma iniciativa colaborativa promovido pelo iCities, empresa residente do Accelera Hub, que reuniu profissionais e empresas de diversas áreas para repensar, de forma criativa e integrada, os caminhos para a regeneração do Centro de Curitiba. A ação, que teve origem com uma das ações paralelas do SmartCity Expo Curitiba 2025, gerou 99 + 1 ideias de impacto e está evoluindo para algo ainda mais poderoso: uma plataforma de articulação de atores em prol do centro da cidade, dando origem ao embrião de um novo ecossistema urbano, territorial e temático.

Essas três experiências – no Vale do Pinhão, no Elohabitar e no Accelera Hub – têm nos mostrado, na prática, que governança em ecossistemas não é uma estrutura que se impõe, mas uma confiança que se constrói. Ela nasce quando o coletivo entende que colaborar é mais potente do que controlar, e que caminhar juntos exige propósito, não apenas planejamento.

Mas o que define um ecossistema e quando nasce a necessidade de criar uma governança para ela?

"Governança não é sobre quem manda. É sobre como a comunidade decide caminhar juntos"

Um ecossistema não é um espaço físico, nem tampouco uma reunião de instituições sob o mesmo guarda-chuva. Ele é, antes de tudo, um tecido social em movimento, composto por pessoas, organizações, ideias, valores, fluxos, interações, conflitos e colaborações. É o entrelaçar de histórias e propósitos em torno de um objetivo comum: gerar valor coletivo por meio da inovação.

A governança surge justamente no momento em que esse tecido começa a tensionar. Quando os interesses se multiplicam, quando os atores começam a disputar ou sobrepor espaços, quando as ações deixam de ser pontuais e passam a exigir coordenação, continuidade e clareza de propósito.

Governança, nesse contexto, não é sobre controle. É sobre clareza, legitimidade e articulação. É sobre criar os espaços certos para escuta, decisão e execução. É sobre sustentar o movimento coletivo quando a empolgação inicial passa – e entra em cena o desafio da consistência.

Governança em ecossistemas é como o sistema circulatório de um organismo: não é o que se vê primeiro, mas é o que mantém tudo funcionando.

Governança como convite coletivo ao futuro

"Governança não se herda – se constrói. E se constrói com todos à mesa, com escuta, propósito e responsabilidade coletiva.'

O que estamos vivenciando hoje, em tempo real, nesses três ecossistemas interligados, nos mostra que governança não é apenas uma necessidade estrutural – ela é um convite vivo e contínuo. Um convite para que cada ator deixe de ser apenas espectador e passe a ser protagonista na construção de um futuro comum. Mas isso só é possível quando deixamos o “egossistema” de lado – aquela lógica de poder, vaidade e controle individual – e escolhemos verdadeiramente participar de um ecossistema, onde a colaboração vale mais do que o protagonismo isolado, e o todo é mais importante que qualquer parte.

Esse futuro não será desenhado por uma única instituição, nem garantido por uma ata de reunião. Ele está nascendo agora – no dia a dia dos ambientes, nas trocas entre agentes, nas decisões corajosas que estamos tomando em coletivo. Vai emergir da coragem de colaborar, da maturidade de dialogar e da disposição de sustentar compromissos ao longo do tempo.

Mas também exige responsabilidade. Responsabilidade das pessoas e das entidades que representam — pelo impacto que causam (ou deixam de causar) no desenvolvimento econômico, social e territorial. Cada escolha, cada ausência, cada veto ou apoio influencia diretamente a direção desse ecossistema em construção.

Em tempos onde é fácil priorizar interesses setoriais, institucionais ou pessoais, é preciso lembrar que o consenso deve ser a bússola que orienta a ação coletiva. Mais do que decidir quem tem razão, trata-se de alinhar intenções em torno de um bem maior. Porque governança é menos sobre organizar o agora, e mais sobre projetar um amanhã compartilhado – com responsabilidade, com escuta e com propósito.

É por isso que precisamos falar – e muito – sobre governança em ecossistemas. Porque o futuro da inovação não depende apenas de boas ideias ou tecnologias disruptivas. Ele depende de como nos organizamos enquanto comunidade, de como criamos espaços de escuta, de decisão e de ação, e principalmente, de como decidimos juntos o que é prioridade. Governança é o fio invisível que costura tudo isso.

Estamos construindo isso agora. E estamos só começando.